sexta-feira, janeiro 13, 2006

Ontem passaram exactamente 2000 dias desde o dia em que nasceste. Talvez por isso, sabes, apetece-me contar-te um pouco desse dia, desse Sábado, 22 de Julho do ano 2000...
Sabes, vamos ver se o teu pai tem jeito para contar histórias. Conto tantas coisas, escrevo mil e uma coisas, coisas que aconteceram, coisas que imagino, mas falar sobre ti, e falar sobre o dia em que nasceste, é falar sobre coisas que aconteceram misturadas com coisas que imagino, porque tudo nesse dia é de uma força e de uma uma multiplicidade de cores que não é fácil explicar, nem creio que seja fácil entender. Talvez quando tu próprio fores pai o consigas perceber.
Sabes que enquanto não somos pais, achamos sempre que a paternidade é uma coisa imperiosa, de raíz quase metafísica. Isto acontece porque pressentimos o amor imenso que vai nascer dentro de nós, mas a verdade é que, até ao momento em que somos de facto pais, não conhecemos nada da natureza desse amor.
Uma das primeiras coisas que me fulminou o peito ao ver-te (e eu vi o momento em que nasceste) foi o facto de existires mesmo, de seres uma entidade concreta, uma pessoa, de não seres um ser mágico indutor de amor, etéreo, de uma outra dimensão. Eras mágico e indutor de amor, mas eras real, da minha dimensão, e isso só te tornava mais poderoso, mais mágico.
Lembro-me filho, que nasceste precisamente às 14:37 de um Sábado. Chovia, se bem que para o final da tarde o sol tenha aparecido no céu para te cumprimentar. Nasceste de mau-humor, sabes? Nasceste, e ainda que não visses nada, a verdade é que o teu olhar fulminava. Estavas chateado, claramente, porque estavas tão bem no quentinho da barriga da tua mãe, e de repente, no meio de uma algazarra e de uma gritaria, tinham-te trazido para um local mais frio, menos acolhedor. É claro que te puseram naquelas camas aquecidas, mas tu já nasceste esperto, e o teu olhar denuinciava bem o quanto tu desconfiavas de que se tratava de um engodo. É claro que ouvias a voz da mãe e do pai, e claro que as reconhecias depois de as teres ouvido durante tantos meses, mas seguramente pareciam-te mais próximas, sem uma qualquer barreira protectora que conheceras desde sempre.
Lembro-m de me aproximar de ti com respeito... Porque o teu olhar, realmente, fulminava. A tua mãe dizia que era o feitio dela. E ria. E eu, sinceramente, ainda que risse também, já só te via a ti à minha frente, ao meu lado, atrás de mim, em toda a parte, no futuro, no presente, no passado, dentro do tempo e fora do tempo, sempre nascido, como se sempre tivesses estado comigo. Reconhecia-te, era isso. Não te conhecia, reconhecia-te. Deixei que me segurasses o dedo. A tua mão apertou-me tanto, nesse reflexo. E eu olhei e vi a minha pele colada à tua. E todo eu por dentro sufocava. Olhei para ti. Ainda que não me visses, era para mim que olhavas, talvez na direcção da minha voz, ou talvez na direcção dos meus olhos, porque não tenho dúvidas de que os meus olhos falavam mais alto do que todas as vozes que existiam, naquele momento, na cidade, no país, no mundo, no universo, em toda parte, em todos os locais. E lembro-me do meu olhar cair em ti. No preto dos teus olhos. De pensar que eras tu. De pensar que um dia ias perceber que era eu. De pensar que nada nunca nos iria separar. Coisa alguma.
Eu queria que dormisses, porque achava que os bebés dormiam, passavam a vida a dormir, e tu já tinhas nascido há mais de uma hora e não dormias. Era chato eu, não era? Mas tu só querias ver, ainda que não visses. Só querias ouvir, sentir, e até certo ponto, manifestar-te, talvez até exigir que te voltassem a pôr dentro da barriga da mãe. Talvez isso. Mas sabes, seguravas o meu dedo com tanta força. Com tanta força que, mesmo que me digam que é um reflexo normal e tal e tal, o meu coração tem a certeza que não era nada disso. Era o meu dedo. Era eu. E a tua mão. O nosso amor. E como criança que eras, tenho a certeza que se pudesses exigir que te voltassem a pôr dentro da barriga da mãe, ias exigir também que me pusessem a mim. Porque já me amavas. Tanto como eu te amava a ti. Como me amas hoje. Como eu te amo a ti. Tantas, tantas coisas , Duarte. Tantos, tantos momentos. Palavras, risos, choros, silêncios, abraços, beijos, risos, corridas, ar, vento, chuva, sol, lua, estrelas e astros, e cascatas de palavras e de momentos, e cascatas de dias e de infinito .. Tanta tanta coisa... Dois mil dias de felicidade pura, meu filho.

Amo-te. De Sempre. Sempre. E para Sempre.